Santuário nacional de Anchieta no Espirito Santo |
Veio-me o
desejo de partilhar com vocês trechos das cartas de São José de Anchieta, por
dois motivos, mais um: são belíssimas para inspirar o zelo apostólico dos
missionários, nos parecem atualíssimas e, também, como uma forma de gratidão já
que nós devemos muito à ele nossa riqueza cultural e o fato de termos nascido
em uma nação católica. As dificuldades que ele relata não estão muito
diferentes dos dias de hoje.
Trecho da carta do irmão José de Anchieta aos Irmãos enfermos de Coimbra
<< Agora estou aqui em São
Vicente, que é no porto , para onde vim com o P. Nóbrega para despachar estas
cartas, que lá vão. Alem disto aprendi cá um ofício , que me ensinou a
necessidade, que é fazer alpargatas, e sou já bom mestre; e tenho muitas para
os irmãos, porque não se pode cá andar pelos matos com sapatos de couro. Isto
tudo é pouco para o que Nosso Senhor vos mostrará, caríssimos, quando cá
vierdes.
Quanto a língua, eu estou nela algum
tanto adiante, ainda que é muito pouco para o que soubera, se me não ocuparam
em ensinar gramática. Todavia tenho toda a maneira dela por arte, e para mim
tenho entendido quase todo o modo dela. Não a ponho em arte, porque não há a
quem aproveite. Somente aproveito-me eu dela, e aproveitar-se-ão os que de lá
vierem, que souberem gramática.
Também vos digo, meus caríssimos, que
não basta sair de Coimbra com quaisquer fervores, que se murchem logo antes de
passar a linha, ou se esfriem depois com desejos de tornar a Portugal: há
mister, irmãos, trazer os alforjes cheios, que durem até acabar a jornada,
porque sem dúvida os trabalhos de cá, que tem a “Companhia de Jesus”, são
grandes e há mister virtude em cada um, que se possa fiar dele a honra da
Companhia.
Porque se acontece andar um irmão
entre os índios seis, sete meses sem confissão nem missa, em meio da maldade,
onde convém e é particularidades, calo, que a cada um acontecem, que não sei se
vos parecerão lá bem, ainda que são de grande virtude. Cá as conhecereis se
alguma hora cá vierdes. Não vos digo mais, se não que aparelheis grande
fortaleza interior e grandes desejos de padecer, de maneira que ainda que os
trabalhos sejam muitos, vos pareçam poucos. E fazei um grande coração, porque
não haveis de andar meditando em cantinhos, senão “ in médio iniquitatis et
super flumina Babylonis”,(no meio da iniquidade e sob os rios da Babilônia, Sl
137) e sem dúvida pior que Babilônia.
Perdoai-me, caríssimos, outras vez,
porque o amor que vos tenho me move a mão (com) que vos escrevo isto.>>